A memória do Monge Graciano foi uma companhia constante no solitário trabalho de escrever o livro “Introdução ao Processo de Nulidade Matrimonial”, todas as vezes que eu ficava cansado ou me deparava com doutrinadores cujas posições se opunham ou com informações conflitantes, eu me recordava do árduo trabalho do Magister Gratianus em harmonizar e conciliar as diversas correntes que havia dentro da Igreja no seu tempo tendo como resultado uma obra chamada Decreto de Graciano, em latim Decretum Gratiani ou Concordia discordantium canonum, “Concordia dos Cânones Discordantes” que, como indica seu título, buscou conciliar a todas das normas canônicas existentes desde séculos anteriores.
Eu tenho certeza que fui apresentado ao Monge Graciano por Deus, para tê-lo como exemplo de uma pessoa que enfrentou muitos desafios para produzir um trabalho que Ele lhe confiou e que resultou em uma obra de referência na estruturação do Direito Canônico e que, mesmo sem ter ideia, colaborou com o direito pátrio de muitas nações.
Então, a fim de homenagear o meu caríssimo “amigo” monge João Graciano, busquei a sua biografia, porém, os dados são imprecisos, encontrei no site da SBC (Sociedade Brasileira de Canonistas) uma matéria interessante, escrita pelo Pe. Paulo Mendes Peixoto, e destaquei os trechos biográficos de Graciano que agora divido com vocês.
O Homem, o Autor:
João Graciano era um monge camaldulense, do qual até hoje se ignoram o lugar e a data do seu nascimento e morte. Há suposição de que tenha sido professor no Mosteiro de São Félix e São Nabor, em Bolonha. Talvez tenha falecido antes do Conc. Lateranense III (1179).
Segundo uma lenda mencionada por Van Hove, Graciano, pai da Ciência Canônica; Pedro Lombardo, pai da Teologia Escolástica, e Pedro Comilão (sic!), pai da História Eclesiástica, eram irmãos uterinos, gerados de um adultério. Diz a lenda ainda que Graciano tenha habitado no Mosteiro de São Próculo, dos monges beneditinos em Bolonha e que tenha sido sagrado bispo. Esse homem cujas origens e vida são obscuras, foi autor de uma obra extraordinária, sob a qual faremos alguns comentários.

A Obra de Graciano:
É conhecida como "Decretum", chamada de "Decretum Gratiani". O seu conteúdo veio de diversas fontes. Aí encontramos matérias jurídicas, moral, dogmática, patrística, escriturística etc. Graciano serviu-se de textos dos Santos Padres e escritos eclesiásticos: de fragmentos do direito romano, da lei dos visigodos, dos bárbaros, das capitulares dos reis francos, das constituições dos Imperadores germânicos etc. De toda essa ceara jurídica, acumulada em mais de milênio, Graciano recolheu cerca de dez mil textos, que após duro trabalho de seleção, reduziram-se a 3.900.
Conclusão:
Graciano e seu Decreto são frutos maduros de uma longa caminhada. Pelo método que usou, o seu Decreto é verdadeiramente um tratado científico. Começa com ele um novo período do Direito Canônico, novo em muitos aspectos, principalmente se o comparamos com o primeiro milênio do cristianismo, no qual imperam o empirismo, o particularismo e a dispersão. Com Graciano entramos no período clássico do Direito Canônico, no qual impera a abstração, a dialética, o universalismo, a unidade externa (universalidade do Ordenamento Canônico), a unidade interna (sua coerência), a estruturação sistemática de tantos elementos acumulados e escassamente elaborados durante os onze primeiros séculos da Igreja. O "Decretum Gratiani", com que se inicia a idade clássica do Direito Canônico (1140) representa a síntese superadora dos textos canônicos do primeiro milênio e é o ponto de partida do trabalho científico pelo qual, com razão, se dá a Graciano o título de o pai da Ciência Canônica. Antes de Graciano existia Direito Canônico. Com Graciano começa a Ciência do Direito Canônico. As demais coleções do primeiro milênio passam a ser objeto de história. O trabalho de Graciano é comparado ao trabalho, também pioneiro, de Pedro Lombardo, em relação à Teologia Escolástica.
Como Coleção privada, nascida para uso nas escolas e nos Tribunais, o Decreto de Graciano não goza de nenhuma autoridade legal. Nem sequer recebeu essa autoridade quer do papa, quer do Direito Consuetudinário. Os textos que Graciano cita conservam seu valor, que deve ser considerado, segundo a autoridade e importância que tinham, cada um separadamente, sem adquirir nova forma legal pelo fato de se encontrarem no Decreto. Todavia, embora sem aprovação oficial, o Decreto, que foi usado por longo tempo, como texto básico para o ensino do Direito Canônico nas escolas, adquiriu um grande peso, "ex autoritate docentis".
Embora sendo uma coleção privada, o Decreto de Graciano faz parte do "Corpus Iuris Canonicis", o conjunto de leis que, durante séculos, vigorou na Igreja e que ainda hoje, após as duas codificações canônicas (1917 e 1983) continua a ser fonte preciosa para o estudo e conhecimento do Direito e das Instituições da Igreja Católica.
Autor: Pe. Paulo Mendes Peixoto
Título: Introdução ao Direito Pastoral
Fonte: Sociedade Brasileira de Canonistas
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