Os Tribunais Eclesiásticos - Câmaras Eclesiásticas, Primeira Instância, Segunda Instância e Rota Romana



1. Os Tribunais Eclesiásticos

A Igreja tem uma organização jurídica desenvolvida de modo a viabilizar a administração da justiça. Há séculos suas sentenças inspiraram os princípios humanísticos de direito pessoal e dignidade que constituem a espinha dorsal do direito civil. Trata-se de um sistema consagrado e com tamanha eficiência que serviu e ainda hoje serve de modelo para os ordenamentos jurídicos de muitos países. É este um antigo e indispensável ministério da Igreja. Os Tribunais Eclesiásticos são os mais antigos na tradição jurídica do Ocidente.

O Tribunal Eclesiástico é o organismo, dentro da organização da Igreja, competente para julgar todas as causas jurídicas não reservadas ao Romano Pontífice.
As causas relativas ao matrimônio cujos efeitos são unicamente civis são de competência do magistrado civil, exceto se o direito particular estabelecer que estas, quando tratadas incidente e acessoriamente, podem ser conhecidas e decididas pelo juiz eclesiástico (cân. 1671, §2, MI).

Quando um assunto é de competência jurisdicional da Igreja ele é examinado, discutido e tem uma decisão legítima, ou seja, um juízo ou julgamento na corte competente, num Foro Eclesiástico.

Nas causas de Nulidade Matrimonial um processo pode percorrer por alguns graus: o Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal de Segunda Instância, o Tribunal da Rota Romana e ainda o Tribunal Supremo, chamado de Assinatura Apostólica, que atua supervisionando a administração da justiça da Igreja.

2. Objetivo dos Tribunais Eclesiásticos

Sobretudo nas causas de nulidade matrimonial o Tribunal Eclesiástico e os Tribunais civis se assemelham, pela existência de juízes, Advogados, testemunhas, partes, etc. No entanto, o Tribunal na Igreja pratica uma ação pastoral ao realizar um ministério da graça de Deus, exercendo o poder de julgar e libertar as consciências.

Busca-se no Tribunal Eclesiástico a realização da justiça divina, sob a perspectiva da conduta social da Igreja – especificamente, no campo da instituição matrimonial –
mediante um sistema de normas obrigatórias, geradoras de direitos e deveres. Não se trata, todavia, de um sistema perfeito, na justiça canônica há uma tentativa e um esforço de se alcançar a justiça. Não se almeja a perfeição, pois esta seria incompatível com a natureza humana.

O Tribunal Eclesiástico é um instrumento do perdão e da solidariedade, portanto, a missão judicial da Igreja só pode ter como última finalidade realizar o encontro do homem com Deus, haja vista que os servidores de todos os graus de jurisdição da justiça canônica e os legisladores devem observar com especial atenção o preceito previsto no cân. 1752, ou seja, ter sempre “diante dos olhos a salvação das almas que, na Igreja, deve ser sempre a lei suprema”, salus animarum suprema lex esto.

3. Tribunal de Primeira Instância.

O Bispo é o juiz de primeira instância nas causas de nulidade matrimonial que não forem excetuadas pelo direito, esse poder judicial pode ser exercido por si mesmo ou por outros, delegando essa atribuição de acordo com aquilo que determina a lei (cân. 1673, §1 MI).

O Direito Canônico recomenda que seja constituído um tribunal para cada diocese, ao qual denominamos tribunal diocesano, contudo, diante das dificuldades que existem em muitos países de formar ou manter um tribunal diocesano, faculta-se ao Bispo agregar-se a um outro tribunal diocesano ou interdiocesano mais próximo (cân. 1673, §1 MI).


Cân. 1423 – § 1. Vários bispos diocesanos, com a aprovação da Sé Apostólica, em lugar dos Tri-bunais diocesanos mencionados nos cânn. 1419

– 1421, podem constituir em suas dioceses, de comum acordo, um único Tribunal de primeira instância; neste caso, competem à reunião desses Bispos ou ao Bispo por eles designado todos os poderes que o Bispo diocesano tem a respeito do próprio Tribunal.

3.3. Câmaras Eclesiásticas

O surgimento das Câmaras Eclesiásticas nasce da necessidade de enfrentar a difícil e urgente demanda pela realização da justiça eclesiástica.

Além dos Tribunais regionais e interdiocesanos criados em 1974, inúmeras Câmaras e Tribunais estão se espalhando por todo o Brasil para o bem da justiça, para o bem dos fiéis e para o bem da Igreja. O Decreto de Constituição e Normas dos Tribunais Eclesiásticos Regionais no Brasil, da Presidência da CNBB (que entrou em vigor dia 02 de junho de 1974, na Festa de Pentecostes daquele ano) dispõe sobre as funções das Câmaras Eclesiásticas, ou Câmaras Auxiliares Permanentes da seguinte forma:

Capítulo II: Das Câmaras Eclesiásticas e sua competência.

DC, Art.8º - Constituam-se, enquanto possível, em todas as Igrejas particulares, Câmaras Eclesiásticas, com a função de executar as cartas rogatórias dos Tribunais e colaborar com estes e os Bispos diocesanos na administração da Justiça.

DC, Art.9º - A Câmara Eclesiástica é formada de
Juiz Auditor, Defensor do Vínculo, eventual Promotor da justiça, e Notário, clérigos ou leigos, destacados por seus bons costumes, prudência e ciência jurídica.

DC, Art.10º – § 1 - Sem prejuízo do estatuído no Art. 7, atos judiciais de qualquer natureza, que não se definam por sentença, podem ser feitos pela Câ-mara Eclesiástica, por determinação do Bispo dio-cesano, ou a pedido de Tribunal competente.

§ 2 - Caso a Câmara tenha juiz clérigo, pode também, por determinação do Bispo diocesano ou designação do Presidente de Tribunal compe-tente, conhecer e julgar processo documental, de que trata o c. 1686.8

O Monsenhor José Geraldo Caiuby Crescenti, nos ensina que o termo “Câmara Auxiliar Permanente” passou a designar no Brasil os ministros estavelmente encarregados de executar as “cartas rogatórias” nas dioceses, em que não há Tribunais diocesanos, pelo fato de os respectivos Tribunais serem regionais ou interdiocesanos.

Quando se fala de Câmaras Auxiliares Permanentes supõe-se que, para muitas funções, as Câmaras já funcionavam “ad hoc”, quando recebiam delegações para tal. Contudo, agora se tornam permanentes no seu desempenho.

São chamadas Auxiliares por terem a função de auxiliar os Tribunais, isto é, ajudando com as “cartas rogatórias”.

Monsenhor Caiuby explica que, quanto ao significado das “cartas rogatórias”, devemos oportunamente tomar este conceito com o significado usado e consagrado pelo direito civil e argumenta do seguinte modo: “Em nosso direito pátrio, carta rogatória designa a solicitação proveniente de um Tribunal estrangeiro e carta precatória indica a proveniente de um Tribunal brasileiro”. O Direito Canônico não faz essa distinção, porque perante a lei canônica nenhum Tribunal eclesiástico pode ser considerado estrangeiro, pois todos os Tribunais Eclesiásticos pertencem à mesma Igreja.

Desde sua criação até hoje a função das Câmaras vem se ampliando muito, até ao ponto de muitas delas terem sido erigidas Tribunais de Primeira Instância, com a aprovação do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica.

Outro importante autor que acompanhou de perto o processo de criação das Câmaras Eclesiásticas, sendo inclusive assessor jurídico da CNBB, foi o Padre Jesús Hortal Sánchez. Este faz referência às Câmaras Auxiliares Permanentes afirmando que, segundo os documentos do encontro nacional de Juízes Eclesiásticos, deve entender-se por Câmara o conjunto de um Juiz Auditor, de um Defensor do Vínculo e de um Notário, todos eles com caráter permanente e que sirvam de auxiliares na fase instrutória do processo.

Jesús Hortal ratifica o que foi dito na instrução Dignitas Connubii, que dispõe sobre o mínimo necessário para a composição de uma Câmara, excetuando somente o Defensor do Vínculo:

DC, Artigo 23 – § 2: “Nesse caso, o bispo diocesano pode constituir, na própria diocese, uma seção (Câmara) de instrução com um ou mais auditores e um Notário, para recolher as provas e notificar os atos”.

O fato de não se exigir um Defensor do Vínculo facilitou a composição das Câmaras, visto a dificuldade que as dioceses têm em encontrar pessoas disponíveis e preparadas para esse ministério. De modo a solucionar essa carência o Defensor do Vínculo fica sendo o mesmo do Tribunal ao qual a Câmara pertence. Estes seriam os requisitos mínimos para se constituir uma Câmara e para se tornar apta para um efetivo funcionamento.

Todavia, não é vedada a participação do Defensor do Vínculo na Câmara Eclesiástica, o Decreto de Constituição e Normas dos Tribunais Eclesiásticos Regionais no Brasil, em seu art. 9 dispõe sobre a formação da Câmara do seguinte modo:

Art. 9 - A Câmara Eclesiástica é formada de Juiz
Auditor, Defensor do Vínculo, eventual Promotor de justiça, e Notário, clérigos ou leigos, destacados por seus bons costumes, prudência e ciência jurídica9.


4. Tribunal de Segunda Instância.

Há na justiça canônica um Tribunal ao qual chamamos de Tribunal Eclesiástico de Segunda Instância (cân. 1439 §1).

Trata-se de um tribunal cujas causas de nulidade são remetidas em caráter recursal quando ao menos uma das partes não esteja de acordo com a sentença do Tribunal de Primeira Instância. Os tribunais que atuam em Primeira Instância podem servir de Tribunal de Apelação para seus vizinhos.

Havia uma etapa no processo de nulidade onde ocorria o envio dos autos ao Tribunal de Apelação. Contudo esta teve o seu fim graças a uma das importantes mudanças promovidas pelo Motu Proprio - Mitis Iudex Dominus Iesus - que determinou não ser mais necessária a exigência de uma dupla decisão concorde para que um matrimônio seja declarado nulo.

Ficou determinado que:

"I. – Uma única sentença executiva em favor da nulidade - Pareceu, em primeiro lugar, que não sejam mais necessárias duas sentenças conformes, em favor da nulidade do matrimônio, para que as partes sejam admitidas a novas núpcias, mas que baste a certeza moral adquirida pelo primeiro juiz, de acordo com o direito". Motu Proprio - Mitis Iudex Dominus Iesus, página 9.

Portanto, é suficiente a decisão do Tribunal Eclesiástico de Primeira Instância para declarar a nulidade do Matrimônio, tornando-se desnecessário o envio ex officio dos autos ao Tribunal de Apelação, ou Tribunal de Segunda Instância. 

Antes de 18 de dezembro de 2015, quando passou a vigorar as mudanças contidas no referido Motu Proprio, ao ser prolatada a sentença pelo Tribunal de Primeira Instância, em favor da nulidade, os autos eram remetidos, ex officio, para o Tribunal de Segunda Instância que por sua vez julgava se o matrimônio era nulo ou válido.

Tratava-se do instituto do reexame obrigatório, onde um grau superior confirmava ou não a decisão de primeira instância (duplex sententia conformis).

Caso a sentença fosse favorável a nulidade, em concordância com a sentença de primeira instância, o Matrimônio era declarado nulo. 

Porém, quando a decisão de segunda instância era favorável a validade do matrimônio, tínhamos um impasse, haja vista que nos encontrávamos diante de duas decisões diferentes.

Então, entrava em cena a Terceira Instância, que avaliava as duas decisões anteriores e resolvia o impasse emitindo a sua sentença em favor ou contra a nulidade.


5. Tribunal da Rota Romana.

No que tange ao Tribunal da Rota Romana, este é um Tribunal de Apelação, com caráter voluntário na Segunda Instância e com caráter obrigatório na Terceira e posteriores Instâncias, atuando excepcionalmente também como Tribunal de Primeira Instância em casos específicos.

Cân 1444 – § 1. A Rota Romana julga:

1o. Em segunda instância, as causas que tenham sido julgadas pelos tribunais ordinários de primeira instância e que sejam levadas à Santa Sé mediante apelação legítima.

2 o. Em terceira ou ulterior instância, as causas já julgadas pela própria Rota Romana e por quaisquer outros tribunais, a não ser que a coisa tenha passado em julgado.

§ 2. Esse Tribunal julga também em primeira instância as causas mencionadas no cân. 1405, § 3, e outras que o Romano Pontífice, de sua iniciativa ou a requerimento das partes, tenha avocado ao seu Tribunal e confiado à Rota Romana; essas causas, a própria Rota julga também em segunda e em ulterior instância, salvo determinação contrária no rescrito de atribuição do encargo.

A reforma feita através do Motu Proprio preservou o apelo à Rota Romana, isto é, ao Tribunal Ordinário da Sé Apostólica no respeito do antigo princípio jurídico de modo que seja reforçado vínculo entre a Sé de Pedro e as Igrejas Particulares.

 Porém, recomenda-se o cuidado na disciplina de tal apelação, a fim de impedir qualquer abuso do direito, para que daí não receba dano a salvação das almas.


Caso seja constatado que a apelação seja uma ação meramente dilatória, o Metropolita ou o Bispo referido no § 3, ou o Decano da Rota Romana, deve rejeitar liminarmente, mediante decreto. (Cân. 1687 § 4, MI).

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8. Pronunciamentos da CNBB, 1985, coletânea 1986.

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