Recentemente a Igreja mudou algumas leis canônicas. Todas as leis canônicas são mutáveis?


No Código de Direito Canônico há normas que regulamentam temas de caráter mutável e outros de caráter imutável. As regras de caráter mutável podem ser reformadas e aperfeiçoadas, com a finalidade de favorecer a comunicação da graça divina, levando em conta os dons e a missão de cada um, a essas chamamos leis eclesiásticas, por exemplo: lei do jejum. Todavia, em alguns casos há regras cujo conteúdo é divino, e por isso possuem caráter imutável, as quais chamamos leis divinas, por exemplo: as leis do decálogo. O Código de Direito Canônico é um instrumento que vai além e aponta para uma meta transcendente, o Reino de Deus.


O Beato Paulo VI, no II Congresso Internacional de Direito Canônico, fez uma profunda e valiosa reflexão a respeito missão da Igreja de comunicar a graça Divina através das instituições:

“Se a Igreja é um desígnio divino – Ecclesia de Trinitate – as suas instituições, apesar de perfectíveis, devem ser estabelecidas com o fim de comunicar a graça divina e favorecer, segundo os dons e a missão de cada um, o bem dos fiéis, finalidade essencial da Igreja (...) O bem comum da Igreja atinge por isso um mistério divino, o da vida da graça, que todos os cristãos, chamados a ser filhos de Deus, vivem na participação da vida trinitária: Ecclesia in Trinitate. Neste sentido, o Concílio Vaticano II falou da Igreja como ‘comunhão’ (cf. Lumen Gentium, 4, 9, 13, etc), manifestando assim o fundamento espiritual do Direito da Igreja e o seu ordenamento para a salvação das almas: de modo que o Direito torna-se Direito de Caridade nesta estrutura de comunhão e de graça para todo o Corpo eclesial” 26

O Pe. Roberto Natali Starlino possui uma reflexão muito valiosa a respeito do esforço empreendido pelos canonistas no sentido de construir uma legislação justa, observando o seu caráter transcendental e da importância de se manter um diálogo contínuo, franco e atual, pois:

“(...) é no diálogo que se constrói o direito. E o diálogo acontece tendo em vista o fim, a saber, a salvação da pessoa (1Pd 1,9). Na experiência de fé, o canonista constata que a salvação buscada no direito é só um sinal da outra salvação que a lei não nos pode dar, só a graça.(Rm 3, 21-25)” 27.

A experiência jurídica faz parte da vida do ser humano, da vida em sociedade. Onde está o homem está a sociedade e onde está a sociedade está o direito.

A boa instrumentalização do Direito Canônico é uma forma eficaz de praticar a religião, ou seja, religar os fiéis à comunhão com os irmãos, com a fé e com Deus.


26. Tribunal Apostólico da Rota Romana – Subsídio para aplicação do Motu Proprio Mitis Iudex Dominus Iesus, Cidade do Vaticano, Janeiro de 2016 .
27. STARLINO, Roberto Natali, Direito Eclesial - instrumento da justiça no Reino, Valência - São Paulo, Siquem - Paulinas, 2004.



Livro: Introdução ao Processo de Nulidade Matrimonial.
Editora: Prismas
Ano: 2015
Autor: George Antunes de Abreu Magalhães
blog: www.forumcanonico.blogspot.com

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