O porquê do processo canónino de nulidade matrimonial

Por: CARDEAL JULIÁN HERRANZ


A presente Instrução confirma a necessidade de submeter a questão sobre a validade ou nulidade do matrimónio dos fiéis a um processo verdadeiramente judiciário. Por vezes, esta práxis tradicional da Igreja é objecto de críticas ou de reservas, como se implicasse um excesso de formalismo. Supõem-se algumas possibilidades de solução mais simples, que até mesmo resolveriam o problema no seu foro interno, mediante a chamada "nulidade de consciência", em que a Igreja somente reconheceria a convicção dos próprios esposos acerca da validade e ou invalidade do seu matrimónio. Às vezes, formulam-se votos por que a Igreja renuncie a todos os tipos de processo, deixando estes problemas jurídicos nas mãos dos Tribunais civis.

A Igreja, pelo contrário, reitera a sua competência para se ocupar destas causas, porque nelas está em jogo a existência do matrimónio de pelo menos um dos seus fiéis, e tendo sobretudo em conta que o matrimónio é um dos sete sacramentos instituídos pelo próprio Cristo e confiados à Igreja. Desinteressar-se deste problema equivaleria a obscurecer de maneira concreta a própria sacramentalidade do matrimónio. E isto resultaria ainda menos compreensível nas actuais circunstâncias de confusão acerca da identidade natural do matrimónio e da família em determinadas legislações civis que não só aceitam e facilitam o divórcio mas, em certos casos, inclusivamente põem em dúvida a heterossexualidade como um aspecto essencial do matrimónio.

Além disso, tanto na Igreja como na sociedade civil, o matrimónio não pode ser considerado como uma questão de interesse exclusivamente particular, sobre cuja validade se poderiam pronunciar as mesmas partes, com tal eficácia jurídica a ponto de poder contrair uma nova união. Não obstante o juízo humano acerca das questões, em que existe um forte interesse pessoal, seja bastante inconfiável, dado que obviamente podem existir discrepâncias entre as partes interessadas, é necessário sobretudo dar-se conta de que o vínculo conjugal, verdadeiro fundamento da família, diz respeito não só às partes, mas também aos eventuais filhos e a toda a sociedade, tanto eclesial como civil. Por isso, em conformidade com uma convicção arraigada nas civilizações de todos os tempos, o matrimónio é uma união de natureza pública, pelo que os próprios contraentes não podem autodeclarar a sua nulidade.

Pelo contrário, é preciso uma verdadeira verificação da verdade objectiva acerca da validade ou invalidade da união. Este compromisso de buscar a verdade deve responder a dois requisitos fundamentais: permitir a defesa e o debate das argumentações a favor e contra a nulidade, bem como a reunião das provas num sentido ou noutro; e confiar a tarefa de julgar a um terceiro imparcial. Estes dois requisitos são precisamente os do processo judicial, instituição jurídica a cuja configuração na história, de resto, a própria Igreja contribuiu enormemente. No caso dos processos de nulidade matrimonial, foi introduzido um papel específico, que permite manter tais características quando ambas as partes pedem concordemente a declaração de nulidade: trata-se do defensor do vínculo, precisamente a quem compete contribuir com tudo aquilo que se possa aduzir em benefício da existência válida do vínculo conjugal.

A ninguém passa despercebida a falibilidade humana que pode fazer com que não haja uma justiça autêntica numa decisão concreta, ou que a mesma não seja tempestiva. Sem dúvida, não é fácil julgar, quando estas situações realmente se verificam e, portanto, deve proceder-se com cautela ao dar informações sobre os processos, evitando cair na superficialidade de uma crónica provocatória não adequadamente fundamentada. Por outro lado, seria absurdo desprezar de modo geral um instrumento por si só válido, como no caso dos Tribunais eclesiásticos, porque nalguns casos ele não funciona bem. A este propósito, a Igreja deseja seguir o único caminho inteligente: perseverar na intenção de melhorar os processos, tanto em seriedade como em tempestividade, faciliar o seu acesso a todas as pessoas interessadas, em termos de igualdade de oportunidades, e tornar cada vez mais harmónicas as decisões de todos os Tribunais.

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