O Direito Canônico através da história

Igreja Católica sempre teve a preocupação em catalogar informações, fazer o registro de normas de conduta e de fatos relevantes do seu tempo utilizando-se da tradição, ou seja, da transmissão, da entrega, da comunicação dessas informações, lançando mão da tecnologia disponível à época. Desse modo toamos ciência da história do cristianismo e a reboque conhecemos a história da humanidade. Essa iniciativa da Igreja é de fundamental importância para que possamos olhar o passado e tenhamos uma compreensão plena do presente e, assim, termos subsídios para tomarmos decisões a respeito do futuro.

Fazer coleções de cânones sagrados sempre foi um costume, houve por parte da Igreja a atenção em codificar os preceitos, os decretos, as normas e os emanados da autoridade eclesiástica com o condão de facilitar o conhecimento, o uso e a observância dos cânones. No ano de 429 da era cristã o Papa Celestino escreveu aos Bispos da Apúlia e Calábria determinando que: “A nenhum sacerdote é lícito ignorar os seus cânones”, o IV Concílio de Toledo (a. 633) determinou que “os sacerdotes conheçam as Sagradas Escrituras e os Cânones”, “a ignorância, mãe de todos os erros, deve ser evitada, principalmente nos sacerdotes de Deus” (cân. 25, Mansi X, Col. 627).

Nos primeiros séculos havia uma infinidade de coleções e normas que foram compilados por iniciativas particulares, não era incomum algumas delas serem contrárias entre si. Até que um monge camaldolese de nome Graciano tomou a iniciativa de promover a harmonização e conciliação doutrinária entre as diversas correntes que havia dentro da Igreja naquele tempo tendo como resultado uma obra chamada Decreto de Graciano, em latim Decretum Gratiani ou Concordia discordantium canonum, “Concordia dos Cânones Discordantes” que, como indica seu título, buscou conciliar a todas das normas canônicas existentes desde séculos anteriores.

O Decreto de Graciano representou a configuração mais acabada do seu tempo, inserindo-se de maneira notável na produção jurídica de sua época, a ponto de Graciano ser reconhecido já por seus contemporâneos como Magister Gratianus.

No ano de 1500 foi editado em Paris o Corpus Iuris Canonici que era composto pelo Decreto de Graciano juntamente com as Cartas Decretais, isto é, os decretos dos Papas, na seguinte ordem: Gregório IX, Bonifácio VIII, Clemente V e João XXII, constituindo o direito clássico da Igreja Católica, que consubstanciarão, séculos mais tarde, a primeira codificação em sentido moderno do Direito Canônico (1917), promulgada pelo Papa Bento XV.

Em linhas gerais a história do Direito Canônico pode ser dividida em duas fases básicas: ius antiquum e ius novum, cujo marco divisor é precisamente o período em que nasce o Decreto de Graciano. O ius antiquum (direito antigo) é composto por normas dispersas e pela presença de direitos eclesiásticos locais diversos e por vezes antagônicos em razão de sua própria especificidade. Enquanto que o ius novum (direito novo) é identificado por sua tendência a universalidade das normas e a sistematização.

Pode também, sob a perspectiva classificatória, ser dividido em quatro períodos: o da formação do Direito Canônico, abrangendo os séculos I ao XI; o da estabilização, séculos XI e XII; o da consolidação, dos séculos XIII ao XV e, por fim, o da renovação, a partir do século XVI.

A natureza social da Igreja sempre foi, ao longo do tempo, a premissa que conduziu o trabalho de codificação dos cânones, o que exige uma índole jurídica especial. Deve levar-se em conta, além da virtude da justiça, também a caridade, a temperança, a humanidade e a moderação. Buscando, desse modo, a equidade, não somente na aplicação das leis, mas também na própria legislação.

A Igreja, no decorrer dos séculos, vem adquirindo uma consciência mais clara das palavras de Cristo em matéria matrimonial, compreendendo e expondo com maior profundidade a doutrina da indissolubilidade do sagrado vínculo do matrimônio, elaborando o sistema das nulidades do consentimento matrimonial e disciplinou de forma mais adequada o relativo processo judicial, de modo que a disciplina eclesiástica fosse cada vez mais coerente com a verdade da fé professada.



Livro: Introdução ao Processo de Nulidade Matrimonial.

Editora: Prismas
Ano: 2015
Autor: George Antunes de Abreu Magalhães
blog: www.forumcanonico.blogspot.com

Comentários